sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Outro Pedacinho de Vidas

"Estás a ver?
Era mesmo assim. Era dessa mesma forma!
- A sério?
- Ya. Mesmo assim!
- Como é que nunca vi?"
Da mesma forma como quando viraste o teu rosto para ouvir outra observação não estava lá. Viraste de novo a cara e foi diretamente ao teu estômago. Sem mais nem menos. Como um sopro no teu rosto. Não podias perceber ou explicar, porque nem tu mesmo sabias se estavas ali ou se seria da tua imaginação, mas o corpo é teu. Os teus pensamentos foram todos destacados para contemplares a perfeição. 
"Estavas aqui no segundo, no minuto, antes de te ver?. . . não entendo. Mas já aqui estavas?!?
Mas ontem vieste neste mesmo lugar, sentada ao meu lado?
Era capaz de jurar . . . que estranho . . . ". 
Não ouviste uma só palavra. Deixaste-te apenas observar o movimento dos lábios a pronunciarem coisas. Em câmara lenta vias os seus lábios moverem. O tempo parou por breves segundos onde pudeste ver e observar o que de mais belo havia no mundo. 
Recuperaste o momento presente e todas as palavras ouvidas tiveram outro som, outro impacto dentro de ti. De repente o pânico apoderou-se de ti e uma rebelião entrou em alerta. Tu amas a mulher que está à tua frente. Tu queres desesperadamente passar os teus dedos por entre o cabelo dela, tocar-lhe no rosto, sentir o seu hálito e tão quase religiosamente controlas os teus impulsos. Rendes-te ao que mais temeste, porque nunca aconteceu, pelo menos assim, tão estupidamente, sem sentido algum, sem local ou hora marcada, muito menos durante um momento, no meio do absolutamente nada, quase como o captar um odor que não estava ali.
Tudo parou, o tempo, as pessoas, as coisas, e apenas tu andavas sem sentir o chão. Tudo era de novo cheio da quantidade de raios de Sol que tu toleras, a temperatura do ar elevou-se à tua temperatura perfeita. Foi tudo perfeito. O teu rosto sorria numa serenidade e paz nunca sentida. Continuavas a caminhar e dentro de ti tinhas aquele sorriso parvo de quem está perdidamente apaixonado.
Como nas telenovelas mexicanas de mau gosto, tinhas de arranjar um gajo giro, alto, todo pintarolas, daqueles que as gajas suspiram . . . pelo valente par de cornos que nunca acreditam que eles alguma vez na vida seriam capazes de lhes pôr. Mais uma vez estás mal acompanhada e só tu é que não vês.
"Olha lá pah?!? Mas c'a raio de gajo é esse pah?!?
Escolheste-o a dedo, não?
- O gajo é fixe, vá, não sejas assim, é um bocado tonto mas até é fixe.
- Ya . . . fixe, faz o quê, coceguinhas e tu ris!
- Pah, não é o cumulo da inteligência mas está-se bem, ele é boa onda, Não sejas assim . . . Ok, é um bocado cromo, mas até gosto dele, a sério!"
"Que remédio tive eu senão aceitar que gostavas de gajos pintas. Mas tu és o verdadeiro helicóptero de última geração: gira e boa e inteligente, muito inteligente, mesmo!
Já estou habituado a estas coisas do gajo que tem todas as melhores gajas . . . mas como amigas! . . . parvos são os gajos que não as vêem!" - pensavas tu para os teus botões enquanto ouvias as últimas de quem descobriste secretamente.
"Andas perdida, Pah!", dizia o rapaz contente por, pelo menos, ter a amizade de quem ainda não tinha despertado tamanhos encantos, no entanto, a sua carne também se exaltava e lá se deixava arrebatar por outras moçoilas, mesmo que como Sol de pouca dura.
"Falas de mim, mas andas acompanhado de uma tronga-monga!
Não percebo!
- Boa!
A gaja é boa! . . . ok, é simpática, mas é boa!
Vá não sejas assim . . . a miúda até é boa pessoa, um bocado parva às vezes, mas é fixe!
- Prognóstico desastroso, é o que é!
Pah, mas como não estou a estudar para monge!
Estás muito preocupada com as minhas ralações afetivas!!!
Não te percebo miúda!"
Escola, universidade, coisa alguma e tudo e mais alguma coisa fazem distâncias aumentarem, como encurtarem e por momentos desaparecerem, passando para o "até um dia!". Os telemóveis são coisa do futuro ou da NASA e as contas bancárias dos papás são limitadas ao essencial. O tempo que passa alimenta sonhos, a imaginação e o "enfim . . . paciência!".
Tão de repente como a primeira vez, nas suas loucas coisas do costume, tão bela como sempre, ali estava ela com o seu sorriso irónico e gargalhadas sonoras. Estava na mesma, a mesma beleza, a mesma frescura, a mesma loucura que o tinha endoidecido da primeira vez. Em menos de nada olha para ele e é como se fosse a primeira vez. Desta vez ela olhou-o pela primeira vez, esquecendo-te por breves momentos que alguém estava com ela, por alguns instantes tudo foi ignorado e desfocado, e a única imagem nítida e som claro era o caminhante na sua direção.
Os olhos dela não resistiram a fixar os lábios que sorriam na sua direção e o seu sorriso mais tolo assumiu-se no seu rosto.
Já nada seria o mesmo, namorado, mundo, coisas, tudo. Tudo o que passou foi colocado no seu altar sagrado, aonde pertencem as coisas sagradas da sua vida. Tudo o que passaram juntos ganhou uma nova vida, um novo sentido, tudo fez, finalmente, sentido.
Falaram, os olhos semi-cerraram num êxtase zen, um no outro; perderam a noção de tudo à sua volta, como que as horas tivessem parado apenas para eles, cada gesto era tão desejado como o seguinte e como o anterior. A energia que ali fluía não era mais a de apenas de bons amigalhaços.
" . . . ok, combinado!
- Próximo sábado?
- Ótimo!
- Para mim está excelente!"
A centelha manteve-se acesa durante todo o intervalo até ao próximo "atão pah!?!". Uma mão cheia de vontade, de sonhos, fantasias e maluquices das boas devolveu-lhes o sorriso de patetas e distraídos durante toda a semana.
Na sexta-feira não se continham de euforia pelo dia seguinte, o mais almejado dia da semana, o dia em que seria um ponto de partida para o desconhecido.
" . . . Já sabes?
- Do quê?
Ela . . . Ela ia numa viagem de mota!
- Do que é que estás a falar????
- Ela . . . Não teve hipótese!". - Ele também não!
"Ela acabou com o namorado esta semana por causa de ti. Ela adorava-te, mesmo muito."
Estupefação não era absolutamente nada, tão simplesmente a sua alma morreu nesse momento.
Sábado chegou como um prolongamento de sexta-feira, em que o Sol se ausentou por instantes. Vestiu as últimas peças de roupa que alguma vez desejou vestir, maldisse de tudo o que é mais sagrado, lavou a cara e nada, absolutamente nada existia dentro de si, nem se sentia, nada, absolutamente nada, estava morto em vida.
Sentou-se novamente na cama e ali ficou, catatónico.
Deixou de fazer Sol, chuva, frio, fome, sono, pai, mãe, amigos, vida. Os dias eram apenas movimentos do globo sobre si mesmo, e em volta do Sol. Levantar ou estar deitado era tudo parte de nada. Acabou. Tudo o que daí viesse seria apenas uma sucessão de coisas, apenas isso e nada mais que coisas.
Acordou apenas quando percebeu que quem amava não se sentiria feliz com a sua morte voluntária em vida, afinal nenhum dos dois teve culpa.
Num repente inesperado um acordar repentino por algo estranho à sua concepção de realidade aconteceu, o toque que sentia no seu rosto não podia ser real, mas não lhe era estranho, o cheiro, a sensação naquele momento, não podia ser realidade. Não acredita em nada para o além do nada.
Já alguém lhe tinha dito um dia, "Há muito mais entre o Céu e a Terra, que aquilo o Homem conhece". Sorriu e aceitou. Imaginação ou qualquer que seja a realidade, o que importa? Trouxe-o de volta à vida. Recomeçou a viver.


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