segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Numa dança . . . um doce balanço enamorado . . .

Recordo-me como se tivesse sido ontem, ou num qualquer sábado passado. Tu numa ponta eu na outra. Os olhares dançavam entre os demais, entre os distraídos da nossa distração. Tu aí eu aqui desta ponta.
Quase um mundo nos afastava, mas só quase, o resto eram conversas no meio a fazer de cenário, a encher o espaço para que ele não se sentisse vazio e sozinho, para que não servisse de vela a iluminar o ambiente que estava tórrido pela sua origem . . .
Eu dirigi-me para a minha direita e tu para a tua esquerda, mas o circulo que nos separava e unia em simultâneo mantinha-se no seu mesmo lugar. Como que um tango, os olhos prometiam o que os passos temiam, mas o contacto estava lá.
Como numa dança, doce deslizámos até ao quase óbvio, até ao quase perto do inspirar profundo.
Como que uma dança, dançámos, nos braços um do outro num balanço de uma valsa num campo aberto de tudo e de todos, mas dançámos.
Como que fosse num sábado passado, num sábado qualquer, dançámos, rodopiámos no nosso imaginário, onde só nós dois dançávamos, nos braços um do outro.
Recordo-me como se tivesse sido num qualquer sábado, de um qualquer mês, de um qualquer ano, mas tanto faz . . . e como dançámos . . .
Rodopiámos e rodopiámos, soltando as gargalhadas cujo eco ficou a ecoar até aqui, até agora, até . . .
Dançámos e rodopiámos, enchemos o salão da luz que havia, da luz que acendemos como por magia e já não mais a luz negra existia.
O nosso salão já paredes não tinha, as árvores que o rodeavam surgiram onde antes havia paredes, o céu estrelado ficou lilás, entrelaçado de rosa e laranja. No nosso átrio de deleite dançante apenas nós existíamos e tudo mais era, ou antes, já não era.
Na nossa valsa em tango ou tango em valsa deixou o chão de existir e os pés moviam-se como se conhecessem a coreografia quase de core.
Vindas do fundo ouviam-se gargalhadas embriagadas. Pouco a pouco, surgiam rostos rosados, outros até mesmo avermelhados, olhos pândegos, cabelos em desalinho, de mãos nas mãos, outros até de braços nos braços partilhavam o mesmo passeio, o mesmo átrio, o recinto da pantomina.
Com os seus chapéus de veludo, mas modestos, todos eram iguais, todos em uníssono na estúrdia, iam chegando aos poucos olhando os outros com o seu mais rasgado sorriso, não existiam os mais e os menos, os muito ou os pouco, os tudo ou os nada, era terra de nadas e de tudos, mas nunca das coisas erradas, das coisas proibidas, porque as coisas proibidas não existiam, só as coisas permitidas.
Deleitados com tal alegria e felicidade, buscámos o que parecesse com um pequeno banco onde pudéssemos descalçar os pés e pisar o que parecesse relva. De mãos dadas, caminhámos até chegar a um ribeiro rebelde que se acalmou para nos jogar levemente os seus salpicos. Sentámos-nos e o ribeiro seguiu o seu caminho, molhando e refrescando os nossos pés.
A moleza chegou e tomou os nossos corpos leves, hipnotizando vagarosamente e adormecemos sem nos darmos conta.
De regresso estávamos, quase num acordar lento e estranho. Onde estávamos? Ou, onde estávamos novamente?
Olhámos em volta e não mais víamos as árvores ou o céu lilás entrelaçado no laranja e rosa, o corpo pesava e já não víamos os rostos alegres e felizes, as gargalhadas já não soavam a folia livre de tudo e de nada, do muito e do pouco, de todas as coisas erradas e das coisas proibidas.
O nosso olhar encontrou-se no meio do espaço e os nossos lábios sorriram. Outros sorrisos surgiram escondidos atrás do segredo, como que membros de uma sociedade secreta descoberta apenas por alguns, apenas pelos que fazem parte, apenas pelos que conseguiram lá chegar e sentir o que é verdadeiro, livre, sem recriminação, culpa ou pecado, desprendido das convenções e tão puro como a verdadeira alegria e pura natureza.
A dupla continuou no seu baile. Eu aqui e tu ali. Contornaste à direita e eu à esquerda do recinto. Os nossos olhares encontraram-se ao centro e continuaram a dançar a valsa em segredo, embalando a promessa do que chama a boca no seu doce embalar.
A noite seguiu e continuou a seguir na sua própria folia, no seu próprio suspiro, até os copos vazarem, até os sorrisos se rasgarem e exprimir os sorrisos que de novo apagam o tudo, antes de chegar a despedida longa e demorada, num olhar enamorado pelo outro olhar, prometendo um até depois, sem saber do se sim ou do se não quase nervoso, na espetativa do "será que . . . " e os seus rostos expressam o não sei, acompanhado de um suave e doce encolher de ombros. Um pensa e o outro também. Querem mais, mas alimentam a ilusão do "será que?".
Cada um segue o seu caminho em direção à sua vida, a real, a que os trouxe até ali, olhando para trás, de vez em quando, na tentativa de prolongar o momento, até que os rostos se apagam no meio do nada onde aconteceu o "onde" não existiam os mais e os menos, os muito ou os pouco, os tudo ou os nada, era terra de nadas e de tudos, mas nunca das coisas erradas, das coisas proibidas, porque as coisas proibidas não existiam, só as coisas permitidas, um quase tudo, porque muito mais ficara prometido.

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