sábado, 16 de novembro de 2013

Não me ames tanto

Não me ames tanto. Por favor, não o faças que tenho medo. Ama-me, mas um pouquinho menos.
Por favor, não me ames tanto que ainda quero viver um pouco mais que quem mais não pôde viver.
Não me ames tanto que eu tenho medo, medo de deixar de viver e de deixar de existir.
Faz de conta que não sou ninguém, nem nada que mereça essa dedicação. Isso assusta-me. Não me deixes morrer, não quero. A morte assusta-me.
Tenho medo de ir e não voltar, medo de te deixar, medo de deixar de te ver ou de deixar de estar, mas tenho de ir. Na verdade já não quero ficar, já não me vejo em ti, em mim, em nada.
"Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje . . .", por isso deixa hoje de me amar. Não tenhas medo que não sofro, não vou sofrer mais que o que já sofro por medo de morrer.
Não me ames tanto para que eu possa voltar, para que eu me deixe ir sem falta sentir de aqui estar, mas deixa-me ir sem que sintas tanto amar.
Não me ames tanto para que não sinta tanto a tua falta. Não me ames tanto para que as lágrimas fiquem no seu lugar sossegadas, quietas, porque tenho que ir e mesmo que volte será de passagem.
Por favor, não me ames tanto para que eu não morra, para que eu não seja roubada a ti, mesmo que nada exista a que eu me possa agarrar, mesmo que nada exista dentro do espaço onde existe o meu coração que bate porque tem que bater.
Olha para mim e não me vejas, não encontres nada de belo, de lindo e maravilhoso, nem me mostres isso tão pouco. Não queiras que eu fique, deseja-me a maior distância que alguma vez desejaste a alguém, longe do mundo, mas estando nele, a distância entre astros em diferentes universos, à distância do último astro do último universo.
Não, não assim tanto, um pouco menos, tem ao menos um pouco de saudades minhas, mas só um pouco porque quero existir, não desejes muito que eu longe esteja, não queiras que o mundo faça com que eu não exista.
"- Não sabes o que queres.
- Não, não sei. Estou à espera que me digas.
- Queres e não queres.
- Em especial, não sei, não sei mesmo.
- É já ali e eu juro que não te vou amar assim tanto se não queres.
- Não me ames por mim e por ti que isso mata. Pode matar-me. Tenho medo, mas agora tenho que ir. Tenho que abandonar o mundo, mesmo que esteja nele. Quero sentir-me viva noutro espaço, mesmo que esteja perto, porque enquanto existir, estou sempre perto.".
Vou fugir um pouco para onde não há sombra ou descuido, para onde tudo é novo e tudo é velho, para onde tudo é novo para mim e velho para todos, para onde o ar se respira de maneira diferente, porque jamais aí sou um não sou. Vou para onde me possa esconder de mim, mas onde apenas eu sei onde estou, onde esteja a salvo de mim mesma, vou para longe de mim, para longe do que sou e sempre fui, sabendo onde estou.
Por favor, não me ames tanto para que eu possa voltar a mim, ao meu lar doce lar, mesmo que seja só de passagem, mesmo que volte para longe do que sou ou fui, mas deixa-me ir.
Ao alcance de poucos estarei, como a linguagem dos antigos. Serei lenda viva nos arautos das interrogações e porquês, mas deixa-me ir para não ficar. Se ficar morro e eu não quero morrer.
Jamais poderei voltar a ser o que sou, com capa fria ou quente, com capa ou sem ela, jamais poderei voltar a ser o que sou. Tudo muda, porque tudo mudou, o que fica é o que deixo ficar, porque assim sempre foi e assim sempre ficou.

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