sábado, 24 de agosto de 2013

O medo e a solidão

A palavra solidão às vezes bate-te à porta sem pedir "com licença", vai entrando de rompante pela casa a dentro como se de um inspetor se tratasse e empurrasse contra a parede sem que possas fazer nada. O medo faz-lhe companhia e assusta-te prendendo-te entre a porta e a parede à qual ficas colada, imóvel, sem poder respirar, sem te deixar mover ao menos os dedos.
Às vezes entra pela porta dentro o pânico como se fosse Deus Todo Poderoso e age como se viesse para reinar como dono do mundo e reinar com a sua cara de minúsculo ser desprevenido.
A solidão, a cada momento, desdenhosa, acomoda-se numa confortável poltrona, tamborilando os dedos sobre uma mesa vazia, enquanto se deleita com o sórdido espetáculo.
Desprovidos de qualquer piedade, o medo e a solidão desassossegam-te baralham-te, confundem-te, deixam-te em sobressalto sobre coisas que não valem nada, deixam-te valorizar o que não tem valor e desprezar o que não é desprezável. Não são os teus melhores confidentes.
O medo engana-te, faz-te cair em armadilhas fatais ou quase fatais, empurra-te para o desespero e engana-te ao ponto de não ouvires nem veres a realidade, desassossega a alma de tal forma que nem o sagrado resiste, o que conquistaste se desmorona como um baralho de cartas empilhado com a aparente firmeza de um castelo.
O medo transforma o certo no errado, o errado no certo e tira-te o controlo sobre as tuas fraquezas. Estas, vêem ao de cimo com todo o poder que lhes foi concedido pelo medo e apavoram tudo com a sua arrogância, presunção, com toda a sua forma ridícula e descontextualizada para regozijo dos pobres de espírito.
A solidão é cobarde, precisa do medo para se sentir aquilo que é, fria e escura em si mesma, um prazer mórbido a alimenta, porque até ela mesma sofre por ser o que é.  
O medo e solidão transformam o mundo em trevas, trevas piores que as demandas medievais em que tudo era tratado a golpadas, separando o corpo da alma e corpo do corpo.
O medo e a sua companheira solidão separam a pessoa em vida, esquartejam a mente em pedaços, multiplicando as imagens como que em estado de embriaguez, o que vê é mais do mesmo sem variação, porque perdeu a noção do verdadeiro e do falso, da verdade e da mentira, perdeu a noção do que é e do que não é, está além da loucura . . . esta não é nada próximo dos efeitos colaterais do medo. O medo e a sua amada solidão apenas dão direito de enlouquecer, caso decidas não os enfrentar, é um direito quase piedoso, quase brando, um ato de misericórdia se desistires de avançar e combatê-los até à sua derradeira derrota.
O medo e a solidão batem-te à porta tantas vezes que às vezes começas a não saber quem mais temer, se o medo, se a sua companheira; se lhes abrirás a porta é uma escolha, haverá sempre uma escolha. A escolha é minha, é tua, é de quem está na sala de julgamento, é quem está perante a provação e privação, é de quem está prestes a se entregar à loucura, de quem encontra uma saída e parte para o desconhecido, é sempre uma escolha, longa e dura escolha.
Inesperadamente uma brecha de luz irrompe, desferindo num golpe vindo do alto, fazendo um estrondo rompante e ensurdecedor acorda-te, fragmentos de muro caem sobre ti, enquanto te defendes com os teus braços sobre o teu rosto Esperas que tudo acalme e consigas de novo olhar o horizonte no meio do encandeamento. Levantas-te e pões-te a andar em frente seguindo as tuas próprias pegadas que deixaste antes de voltares atrás.


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