segunda-feira, 30 de junho de 2014

Ser-se selvagem . . .

É como se fosse uma jaula com paredes invisíveis que estão lá, mas que só tu é que sabes que elas existem assim como quem as construiu.
É como se fosse uma jaula com paredes que quando se toca nelas se sente mesmo que não se vejam, algemas e correntes fortes como aço, mas que não se vêem, cruz que se carrega, porque se foi fraco, porque se precisou, porque se deixou que as pusessem sem que nos apercebessemos que estávamos a ser aprisionados, é como que se devessemos sem saber que estávamos em dívida, porque contam connosco e não queiram saber se ainda estamos lá ou não. 
É como se nos atribuíssem uma obrigação que não nos pertence e deixassem a vida de outrem nas nossas mãos e nos impedissem de seguir o nosso caminho apenas porque alguém precisa do que não temos para dar.
É um peso, uma cruz que nos impõem para que o ar de outrem não esgote, não desapareça. Não é justo, não se faz. O coração tem vontade própria e não há nada nem ninguém que o controle, é como se fosse um animal selvagem que não tem justificação a dar porque é livre. Os animais selvagens morrem se forem enjaulados mesmo que as paredes não se notem, mesmo que as correntes não se vejam. 
Um animal selvagem quando ferido e descalabrado é tão frágil e tão vulnerável como qualquer outro, mas depois de curado e revitalizado não se deixa prender, porque a sua beleza está na sua liberdade, no seu ser natural. Um animal selvagem será sempre um animal selvagem que estará perto de nós o tempo que tiver que estar. Não quer dizer que não reconheça quem o tratou, quem o revitalizou, quem o alimentou, quem o levantou de novo, mas um animal selvagem só é belo, porque é selvagem e isso o faz ser ainda mais deslumbrante.
Os animais selvagens também precisam do que precisam e buscam onde existe o que e quem lhes dê o que precisem, mas fogem de quem usa as suas fraquezas para os caçarem, porque aprendem e acabam por saber que o isco pode ser traiçoeiro. O isco é sempre o alimento favorito do animal que se quer caçar e manter em cativeiro, mas depois de morder o isco é tarde demais. O animal é emaranhado num enleio, num emaranhado enquanto os olhos do caçador se entristecem por ver o animal a debater-se. O caçador sente o misto de querer manter a sua preza apenas para si e o sofrimento de a ver degladiar-se com a rede na qual 
foi encurralada. 
Ligação entre seres selvagens e outros é possível a partir do momento que seja respeitada a natureza de cada ser, fora isso é cobrança, é pressão, é um misto de sentimentos cuja descrição dói só de escrever, o som do conjunto das suas letras juntas magoa mesmo que seja verdade e por mais que se queira nada se pode fazer, porque não se cura com ácido o que está em carne viva. 
Não é egoísmo ou ingratidão, não é mau agradecimento, não é falta de consideração, não é morder a mão que se estendeu para que nos levantássemos, não é nada que se pareça com o que quer que seja relacionado com falta de carácter e nobreza de espírito, bem longe disso, apenas as coisas mudam quando menos esperamos, apenas as coisas esmorecem, enfraquecem, enquanto outras são firmes, porque são as que alimentam o melhor de todas as relações entre os seres, mais belas, as mais estáveis mesmo que não sejam essas as realmente desejadas, porque outros sentimentos se levantaram e assumiram o comando de alguns barcos, mas são as que ficam e as que verdadeiramente unem seres que respeitam mutuamente as suas naturezas.
Ser selvagem, ser livre como um ser selvagem é das coisas mais belas, ser livre de qualquer tipo de prisão, jaula, corrente, muro, porque nascemos para ser livres e estar enquanto podemos estar da forma como pudermos estar. Não há nada nem ninguém que possa impedir de isso ser assim. Até os seres selvagens se encantam e deixam de se encantar. Até os seres selvagens querem outros seres para si, porque se afeiçoam a outros seres e sabe tão bem esse estado de se estar apaixonado, mas apaixonamos-nos pelo que é mais belo e o mais belo só o é na sua forma natural de ser e não dentro de uma jaula como um animal do circo, triste, longe do seu campo aberto para se movimentar sem fronteiras que não sejam os seus próprios limites.
Ser selvagem é ser feliz sem dependências, sem medos de perder o que não é nosso, sem medo de estar no mundo, sem medo que desapareça o que tem que seguir o seu caminho sem que se perca o contacto quando este é para ser estabelecido. Estamos porque queremos estar e não porque temos que estar, somos porque somos e porque gostamos de ser e porque mais se dá quando se gosta de estar e de ser, porque a vida mesmo que tenha coisas que não são leves e algumas até mais pesadas que o que é tolerável e suportável por apenas uma pessoa só, está-se lá porque se quer estar e não enquanto obrigação, porque é uma dádiva poder e gostar de ser e estar.

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