terça-feira, 28 de abril de 2015

Falcão Decrépito

Tem olhos de falcão, mas as garras estão velhas, as penas estão gastas, o faro é de vampiro mas a batalha está perdida. Luta com o tom gutural para que a presa se aproxime, mas é decadente a sua prosódia, está destruída porque o seu tempo de falcão é de outra era e nada tem a ver com esta era e estação do ano.
O falcão está e é decadente, não tem brilho nem vergonha só porque é falcão, mas não percebe que já está perdida a sua guerra e todas as suas batalhas. Devia encher-se de vergonha e retirar-se do campo de batalha onde um dia será morto pela sua impertinência, pela sua falta de consciência, mas insiste em, como tem as armas de um falcão novo, mas até as presas mais distraídas se apercebem da sua presença pérfida e enfadonha.
Quando se é um falcão novo e viçoso tem-se brilho, tem-se uma força natural e nada que se meta pela frente é obstáculo, porque quem brilha com tal luminosidade até as estrelas do céu atrai, mas quando o tempo passa e se chega ao momento de retirada passa-se a ser pedra num sapato novo que se quer deitar fora para que que a caminhada seja mais confortável, já que até o sapato novo pode causar bolhas nos pés, assim o falcão decadente deve retirar-se do caminho de quem ainda tem a vida pela frente.
Cheira mal o falcão desmascarado, olha com cobiça e resmunga como se tivesse o direito de se colocar em algum trono de imperador ou realeza fidedigna.
Mete repugna e não se repugna da sua ausência de sobriedade, é patético e caquético o mal amanhado, andarilho sem trilho tentando importunar quem pretende distância de tal gosma.
As presas pequeninas são as mais fáceis de apanhar porque não distinguem bem as penas dos varões e dos decrépitos.
Apenas algumas presas se deixam aproximar porque elas próprias são presas de si mesmas, mais vale assim que nada ou pior . . . Que triste é a vida de quem não quer ver a realidade das penas decrepitas como se ainda fossem alguma coisa de deslumbrante, que pena, mas quem se contenta com isto não quer ver a realidade miserável em que se tornou o falcão cuja época de caça já passou há já muito e agora que se contente com o que tem porque sorte tem ainda por parte de presas que são presas delas mesmas.
  

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Já não basta . . .

Já não basta o charme que desfila sobre o chão polido. Já não basta o olhar felino de quem nada quer, mas que tudo deseja. Já não basta cada cabelo penteado quase próximo da perfeição adequada ao rosto e o jeito do cabelo como se tivesse nascido para ser assim . . . já não basta!
Já não é suficiente que se ouça o que se quer ouvir, não basta ter queda para o que não alcança ou nem se quer alcançar, já não basta nada do que bastava antes de alguma coisa.
Antes de o ser já estão as cartas todas na mesa, o jogo está todo visto numa unilateralidade que assusta e nem se quer se quer ser tentado, porque já está tudo visto. A cada passada que dá é uma carta da mesa que se vira e que se mostra sem querer mostrar.
A essência envolve a substância e as regras do jogo invertem-se. É como se tudo o que se é fosse o que cobre tudo o que se quer mostrar. As peças do jogo estão translúcidas e de fora dá para ver o que está dentro como se mais nada houvesse que cobrisse. Mas a carne é fraca e deseja o fruto proibido como como Eva à maçã, mas desta vez apenas é a Eva que come a maçã e deixa o Adão pensar que sabe alguma coisa do mundo dos sentidos.
Já não basta a idade que confere sabedoria, já não basta a experiência de vida que sabe estremecer estruturas mais sólidas, já não basta a sabedoria que confere à idade.
O mundo do invisível abre-se ao mundo do visível, mesmo que não o queira, e qualquer tentativa de ilusão fica desiludida pela sua perda de poder, mas a carne é fraca . . . mas tão pouco fraca que fica desiludida a cada página que vai desfolhando do segredo mais profundo da vida das ilusões cativantes.
Já não basta ser esperto, é preciso ser-se inteligente e não subestimar o inimigo que lá terá as suas qualidades mesmo que o que tenha mais peso seja o vazio do narciso que se afundou por tanto venerar a sua própria beleza, a animalidade do predador que controla a sua presa com aparência de indiferença como se o mundo lhe pertencesse e qualquer outro animal na sua presença fosse ou mais um troféu ou mais uma pressa fácil. Mas subestima o predador a sua presa. Não sabe que a arte da sabedoria pode chegar mais cedo ou mais tarde a qualquer um!
Já não basta ser belo, ter o charme que desfila sobre o chão polido com passadas peso pluma para não afugentar as presas. Já não basta ser quem é em si mesmo um animal felino, um predador sanguinário que como o vampiro a sua presença é doentiamente apetecível, a sua aparente humanidade quase perfeita . . .
Já não basta . . .